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Igualdade de gêneros na nova magistratura do TJRJ
Notícia publicada por Assessoria de Imprensa em 15/04/2017 13:41

A igualdade de gêneros (nove mulheres e nove homens) é a principal característica da turma dos 18 novos juízes do Estado do Rio que tomou posse em janeiro deste ano. Eles foram aprovados no 47º Concurso para Ingresso na Magistratura do Estado do Rio. Como a metade das vagas foi preenchida por integrantes do sexo feminino, o índice é bem superior ao de mulheres entre os magistrados, que chega a 27,9%, segundo pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros de 2015. Os novos juízes têm em média 30 anos – idade próxima à média histórica, de 31 anos. Eles têm origem em oito estados diferentes (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Rondônia e Distrito Federal), o que comprova o ambiente cosmopolita do concurso no Rio.

Alguns dos perfis

Ela já trabalhou em escritório de advocacia, foi assessora do Ministério Público no Rio Grande do Sul, analista do Tribunal de Justiça e depois Procuradora da Fazenda no Distrito Federal, mas não escondia que a realização do grande sonho ainda estava por acontecer. Hoje, a gaúcha Melina Becker, de 35 anos, pode dizer: “Sou juíza”. Mas não foi fácil. E ainda não é. Depois de conquistar o 6º lugar no concurso para ingresso no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ela e os outros dezessete juízes aprovados precisam agora passar por uma nova etapa – o curso de formação inicial da Escola de Magistratura. “É ilusão de quem está fora achar que juiz trabalha pouco e ganha bem. Quem quer fazer um trabalho sério e comprometido, abre mão de muita coisa. São muitas aulas, visitas às penitenciárias, hospitais, auxílio em audiências”, disse.

Durante dois anos, os 18 juízes que tomaram posse vão frequentar, obrigatoriamente, os Cursos de Aperfeiçoamento oferecidos pelas Escolas Judiciais para Fins de Vitaliciamento da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj). O programa do curso é elaborado pelos juízes integrantes da Comissão de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, com aprovação do diretor-geral da Emerj, e só acontece depois do credenciamento pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

De acordo com o presidente da Comissão de Juízes da Emerj, desembargador Marco Aurélio Bezerra de Mello, nos primeiros quatro meses os magistrados fazem cursos diários com orientação específica em formação humanística. Pela manhã, aulas de Sociologia e Filosofia. À tarde, aulas técnicas. Só depois trabalham como auxiliares dos juízes mais experientes. “Ao passar esses primeiros meses, eles saem do ninho, que é a Emerj. Um vai para São Sebastião do Alto, outro para Mendes, Rio Bonito... Estudam no mínimo oito horas por dia. Mas, como é um trabalho intelectual e há meta a ser cumprida, não termina quando se está no cartório. Você leva processo para casa, não se restringe ao momento em que está no Fórum”, destaca o desembargador.

Para o carioca Anderson de Paiva Gabriel, de 31 anos, ser juiz na cidade onde nasceu é mais prazeroso do que ter sido o primeiro colocado no concurso. Mas ele, assim como os outros novos colegas de toga, não acredita que o esforço, daqui para a frente, seja menor. “Foi uma travessia até aqui, assim como a expansão ibérica dos navegadores portugueses para chegar ao Brasil. Mas, depois do objetivo cumprido, é preciso desbravar o novo continente. Com a gente é a mesma coisa. Uma série de competências, de permanente aprimoramento. O magistrado tem que se nutrir de conhecimento o tempo todo para abastecer as partes dos direitos - fazer justiça”, completou ele, que já foi delegado na Divisão de Homicídios do Rio.

A avaliação do magistrado acontece depois de participar de dinâmicas de grupo e percorrer quatro modalidades e quatro tipos de varas - Cível, Criminal, Família e Juizado Especial Cível. Os conceitos e a frequência dos juízes serão analisados pelo Coordenador do Curso para depois serem encaminhados ao Conselho de Vitaliciamento (Covit). O desembargador Wagner Cinelli, coordenador do conselho, disse ser muito difícil um aprovado não concluir todo o processo. “Eles são muito bem preparados, sempre acompanhados por juízes, fazem audiências e ainda têm que fazer um relatório trimestral. Além disso, recebem orientação de juntar as sentenças que desejam aplicar com estatísticas e encaminham para um conselheiro, que é um desembargador. Tem liberdade, mas com fiscalização”, explicou o desembargador.

Para provar que juiz não trabalha apenas em gabinetes ou em julgamentos, os 18 novos juízes visitaram esta semana o Complexo Penitenciário de Gericinó. Para a juíza auxiliar Sabrina Britto, da Vara de Execuções Penais (VEP), a experiência de conhecer a realidade por trás dos muros no atual contexto de crise carcerária é fundamental. “É uma oportunidade única poder ver a realidade das consequências de nossas decisões. Quando fui aluna deste curso de formação, ouvia a frase: "'Cadeia é para quem precisa', e isso pode parecer um pouco subjetivo. Mas temos que ter noção da cadeia antes de condenar”. Por isso, além de assistir a uma palestra sobre o funcionamento dos presídios, conheceram o sistema de segurança, a sala de monitoramento e viram uma simulação de rebelião.

O novo juiz Vitor Porto, de 29 anos, oitavo colocado no concurso, pôde ver de perto o resultado da desigualdade de oportunidades na sociedade brasileira: um recente relatório produzido pela ONG Justiça Global e pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ), vinculado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, mostrou que 70% da população carcerária são negros. “Isso reflete a nossa sociedade, porque existe uma concentração de negros nas posições profissionais menos favorecidas”, disse. Vitor é o único negro dos aprovados. “Eu acho importante que tenha mais negros no Judiciário como juízes e desembargadores, e reconheço o avanço do Judiciário Nacional e do CNJ na colocação de cotas. Existem preconceitos que todos os profissionais negros que ocupam posições que geralmente são ocupadas por brancos vão enfrentar. Toda a discriminação que a gente passa deve servir de motor para o nosso desenvolvimento”, completou.

A nova turma de juízes mostrou que, pelo menos na magistratura, a mulher não está em desvantagem em relação ao sexo masculino. Deu empate no resultado final do concurso quando o critério foi gênero. “Fazendo um prognóstico de 15 anos, isso representa a aproximação das mulheres no poder dentro da instituição em relação aos homens”, acrescenta o desembargador Wagner Cinelli. O presidente da Comissão de juízes da Emerj, desembargador Marco Aurélio Bezerra, reforça o coro: “No futuro, nós prevemos um matriarcado no Judiciário”.

Entre as novatas, está Aline Abreu Pessanha, de 38 anos, casada, mãe de uma filha de 11. Nascida em Nilópolis, criada em Nova Iguaçu, cidades da Baixada Fluminense, ela disse que já se acostumou a ter rotinas de muito trabalho. “Eu trabalhava de segunda a sexta, de 12h até 19h, às vezes até mais tarde fazendo minutas de processo. Então, eu tinha parte da manhã e fins de semana para estudar, mas precisava revezar com a educação da minha filha. Aproveitava os processos que eu tinha que fazer para estudar. Se o tema era locação, eu estudava aquele assunto para, de alguma forma, estudar para o concurso”, lembrou Aline. Agora, depois de dez anos, conseguiu concretizar o desejo de uma vida inteira: ser juíza. Mas não cria ilusões – para ela, não há glamour.

“Foi um alívio, sensação de concluir uma etapa, mas agora são novos desafios, novas cobranças para fazer o melhor trabalho, até porque sou muito exigente com o que faço. Então, o estudo não acabou”, disse Aline.

***Pesquisa do site EBC sobre relatório produzido pela ONG Justiça Global e pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ).

SV/CF

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