Abrindo portas para uma nova identidade
Ao procurar o ônibus do Programa Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), em abril passado, a transexual Cristiane dos Santos de Oliveira, de 46 anos, não imaginava que em tão pouco tempo de atendimento conseguiria a mudança de seu registro civil.
Moradora do Complexo da Maré, ela procurou pelo serviço - oferecido uma vez por semana pelo TJRJ na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos - após indicação de amigas. O sonho de conseguir a alteração do nome e do gênero surgiu aos 16 anos.
- Há muitos anos espero por esse momento. Eu já tinha feito a cirurgia de troca de sexo e faltava o reconhecimento civil como mulher. É um direito que conquistamos. Me sinto realizada porque vai modificar tudo na minha vida. O não reconhecimento já me causou muitos constrangimentos em diferentes lugares ao ser chamada por um nome masculino embora eu tenha um corpo feminino. Agora, é página virada – comemorou.
"Há muitos anos espero por esse momento. Eu já tinha feito a cirurgia de troca de sexo e faltava o reconhecimento civil como mulher. É um direito que conquistamos."
Cristiane dos Santos Oliveira (à esquerda)
Embarques sem problemas
Para Gabriela Pereira de Oliveira, de 35 anos, a redesignação sexual proporcionada pelo Programa Justiça Itinerante vai dar a oportunidade de alçar voos maiores. Natural de Tocantins, ela é casada e mora em Milão, na Itália, há 15 anos. Agora, vai poder viajar sem o incômodo de ter de provar que o seu passaporte não é falso.
- Estou trocando o nome porque tive problemas durante viagens para Áustria, Turquia e França. Sempre sou parada no check-in dos aeroportos ao apresentar documento com o nome masculino vestida com roupas femininas. Aguardo aproximadamente 40 minutos para verificarem se a documentação é verdadeira.
Fim de conflitos
Melissa Gomes de Araújo, de 29 anos, chegou no ônibus junto com a mãe, cheia de disposição para ter acesso à retificação de seu registro civil. Para ela, que não se identifica com o gênero que nasceu, a apresentação de documentos que não correspondem à sua forma de se expressar em sociedade significa um conflito no acesso a direitos.
- Graças ao Justiça Itinerante consegui a retificação de forma muito simples, rápida e gratuita. O apoio da minha família foi fundamental para enfrentar o preconceito e é com muita satisfação que divido essa conquista. Agora, Melissa não é mais um nome social, é um nome de registro. É uma vitória para os transexuais.
Direito à redesignação sexual
O juiz André Brito, da Vara de Família de Santa Cruz, trabalha no Justiça Itinerante há três anos. Ele está na unidade de Manguinhos desde a instalação do ônibus nas dependências da Fiocruz, em abril de 2018. Nos primeiros nove meses do acesso especializado à indivíduos trans, foram mais de 360 atendimentos. Ele ressalta que a iniciativa facilitou o acesso de moradores das comunidades vizinhas à Fundação, sendo que a maioria deles procura por redesignação sexual.
- Os depoimentos que nós colhemos aqui são de muito sofrimento e angústia, incluindo histórico familiar e até dificuldades para arrumar uma colocação no mercado de trabalho. Algumas pessoas saem de casa por causa disso.
A pesquisadora e chefe do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (DIHS) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Maria Helena Barros de Oliveira lembrou que o alcance do Justiça Itinerante vai além da população residente ao redor da instituição.
- O serviço não atende apenas quem mora na Maré, em Manguinhos ou na Vila do João. As pessoas que passam por aqui já frequentam a Fiocruz por razões de saúde, pelos projetos sociais que desenvolvemos, e encontram no Justiça Itinerante uma oportunidade que não vão encontrar em nenhum lugar.
O atendimento do Programa Justiça Itinerante na Fiocruz é semanal, às quartas-feiras, em frente ao posto de saúde da Fiocruz, localizado na Rua Leopoldo Bulhões 1480, Manguinhos.
SV/FS
Fotos: Felipe Cavalcanti